A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi criada para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher e garantir mecanismos de proteção à vítima. Um dos seus principais avanços foi o reconhecimento de que a violência pode se manifestar de diferentes formas — e nem sempre deixa marcas visíveis.
Por isso, além da agressão física, a legislação também considera como violência as condutas que afetam a saúde emocional, sexual, moral, econômica ou patrimonial da vítima. Esses comportamentos, muitas vezes praticados no ambiente familiar ou íntimo, também devem ser denunciados e combatidos.
Em fevereiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei Maria da Penha também se aplica a relações homoafetivas entre homens, bem como a mulheres transexuais e travestis, sempre que houver vínculo afetivo, doméstico ou familiar e situação de violência. A decisão reconhece a omissão legislativa sobre o tema e amplia a proteção a todas as pessoas em contextos de vulnerabilidade semelhantes.
Neste artigo, você vai entender quais são os cinco tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha, com exemplos práticos para identificar situações que, infelizmente, ainda são comuns no dia a dia. Saber reconhecer esses comportamentos é o primeiro passo para quebrar o ciclo de abuso.
Violência física
A violência física é o tipo mais conhecido e, muitas vezes, o primeiro sinal de que a relação se tornou abusiva. Ela é caracterizada por qualquer ação que cause dano à integridade corporal ou à saúde da vítima.
Exemplos comuns incluem empurrões, tapas, socos, chutes, puxões de cabelo, estrangulamento, queimaduras, ou qualquer forma de agressão física. Também são considerados atos de violência física quando o agressor aperta os braços da vítima com força, torce o punho, a sacode com agressividade ou usa objetos para feri-la.
É importante lembrar que a violência física pode ocorrer de forma isolada ou junto a outras formas de violência, como a psicológica ou a patrimonial.
Violência psicológica
A violência psicológica é silenciosa, mas profundamente destrutiva. Ela ocorre quando há qualquer conduta que cause dano emocional, afete a autoestima da vítima ou busque controlar suas ações, crenças e decisões por meio de humilhação, manipulação, chantagem, ameaça, isolamento ou vigilância constante.
Esse tipo de violência não deixa marcas visíveis, o que muitas vezes dificulta o reconhecimento da vítima e das pessoas ao redor. Situações em que o parceiro impede a mulher de estudar, trabalhar, conversar com familiares ou amigos, ou ainda quando distorce os fatos e faz com que ela duvide da própria memória ou sanidade (o chamado “gaslighting”), são exemplos claros de violência psicológica.
Desde 2021, esse tipo de conduta passou a ser considerado crime com o advento da Lei nº 14.188/2021, que alterou o Código Penal para incluir o artigo 147-B. A pena prevista é de reclusão de 6 meses a 2 anos, além de multa, reforçando o reconhecimento da gravidade desse tipo de agressão.
Violência sexual
A violência sexual vai muito além do estupro. Trata-se de qualquer conduta que force ou constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de um ato sexual não desejado, seja por meio de intimidação, ameaça, coação, manipulação ou uso da força.
Ela também está presente quando se impede a mulher de usar métodos contraceptivos, quando se força uma gravidez, um aborto ou até mesmo o casamento, além de situações em que a mulher é coagida a comercializar sua sexualidade ou se envolver em prostituição. A violência sexual afeta diretamente a autonomia da mulher sobre seu corpo e sua dignidade enquanto ser humano.
Muitas vezes, essas situações ocorrem dentro do relacionamento íntimo, o que dificulta a percepção da vítima sobre a gravidade da conduta do parceiro. No entanto, mesmo dentro do casamento ou união estável, ninguém é obrigado a manter relações sexuais contra a vontade.
Sob o aspecto penal, os atos de violência sexual podem configurar diversos crimes previstos no Código Penal, como o estupro (art. 213), a importunação sexual (art. 215-A), o assédio sexual (art. 216) e o constrangimento ilegal (art. 146), dependendo das circunstâncias específicas do caso. O fato de o agressor ser companheiro, marido ou familiar não descaracteriza o crime.
Violência patrimonial
A violência patrimonial ocorre quando o agressor destrói, retém, subtrai ou inutiliza bens da mulher com o objetivo de prejudicá-la financeiramente ou impedir sua autonomia. Essa forma de violência é muito mais comum do que se imagina e, muitas vezes, passa despercebida ou é tratada como “briga de casal”.
Exemplos típicos incluem situações em que o agressor quebra o celular da vítima durante uma discussão, se recusa a devolver cartões bancários ou documentos pessoais, esconde objetos de valor, impede que ela utilize seus bens ou se recusa a pagar pensão alimentícia como forma de punição após o término do relacionamento.
Esse tipo de agressão impacta diretamente a capacidade da mulher de reconstruir sua vida e buscar independência financeira. Mesmo não sendo, na maioria dos casos, enquadrada como crime autônomo, a violência patrimonial pode ser considerada uma forma de violência doméstica e servir como fundamento em ações cíveis e penais.
Em certas situações, dependendo da conduta específica, ela pode configurar também crimes como apropriação indébita, dano ou até mesmo ameaça e extorsão, se houver violência ou coação. Além da responsabilização criminal, a vítima pode pleitear indenização por danos materiais, especialmente quando há prejuízo financeiro direto, como destruição de objetos pessoais, perda de renda ou gastos adicionais decorrentes do comportamento do agressor.
Violência moral
A violência moral ocorre quando a mulher é atingida em sua honra, dignidade ou reputação, por meio de calúnia, difamação ou injúria. Essa forma de agressão, embora muitas vezes banalizada, é extremamente comum e tem efeitos profundos na autoestima e na imagem social da vítima.
Art. 7º, V, da Lei Maria da Penha – entende-se por violência moral qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A calúnia ocorre quando se atribui falsamente a alguém a prática de um crime. Por exemplo: o ex-marido espalha em redes sociais que a ex-companheira cometeu um roubo, sem qualquer prova ou processo.
A difamação consiste em atribuir à vítima um fato ofensivo à sua reputação, mesmo que esse fato não seja crime. Um exemplo: o companheiro divulga entre amigos que a mulher teve um relacionamento extraconjugal, com o claro intuito de envergonhá-la.
A injúria é a ofensa direta à dignidade da mulher, como xingamentos, humilhações ou frases depreciativas (“você não serve para nada”, “ninguém vai querer você com filhos”, etc.). Diferentemente da calúnia e da difamação, a injúria não exige que outras pessoas tenham conhecimento da ofensa — ela pode ocorrer até em uma conversa privada.
Essas condutas são crimes contra a honra previstos no Código Penal, e podem ser denunciadas tanto na delegacia quanto por meio de um advogado, com pedido de medidas protetivas e, se for o caso, ação penal.
O que fazer em caso de violência doméstica
Se você está sendo vítima de violência doméstica ou conhece alguém nessa situação, é fundamental agir com segurança, estratégia e respaldo jurídico. Toda forma de violência — física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral — pode ser combatida por meio da legislação vigente, especialmente a Lei Maria da Penha.
O primeiro passo é procurar ajuda. A vítima pode registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia comum ou, preferencialmente, em uma Delegacia da Mulher. Em casos de urgência, deve-se acionar o número 190 da Polícia Militar. Também é possível denunciar por meio do canal Disque 180, que funciona 24 horas por dia.
Além do apoio policial, é essencial que a mulher busque um advogado de confiança. O advogado poderá orientá-la juridicamente, propor medidas protetivas de urgência, representar seus interesses em juízo, ingressar com ações cíveis ou criminais e garantir que seus direitos — inclusive os patrimoniais e familiares — sejam plenamente resguardados.
Se a vítima estiver em situação de vulnerabilidade econômica, poderá procurar a Defensoria Pública da sua cidade, que oferece assistência jurídica gratuita.
Por fim, é importante destacar que não se deve esperar que a violência se agrave para buscar ajuda. Toda agressão, ainda que verbal ou “pontual”, é um sinal de alerta e deve ser levada a sério. O ciclo da violência costuma se repetir e se intensificar com o tempo.
O que fazer em caso de falsa acusação de violência doméstica
Embora a maioria das denúncias de violência doméstica sejam legítimas e estejam ancoradas em fatos reais, é importante reconhecer que também existem casos de acusações falsas — seja por má-fé, disputa por guarda de filhos, vingança pessoal ou interesses financeiros.
Quando isso acontece, o acusado se vê diante de um processo extremamente doloroso e injusto, com potencial de afetar sua imagem, trabalho, convívio familiar e até sua liberdade. A falsa acusação, além de crime, compromete a credibilidade do sistema de proteção às vítimas reais.
Nessas situações, é fundamental agir com rapidez e estratégia. A primeira providência é buscar um advogado especializado, que poderá analisar as provas, reunir documentos e testemunhas, elaborar a defesa e tomar medidas judiciais cabíveis para restabelecer a verdade dos fatos.
Se ficar comprovado que a acusação foi deliberadamente falsa, é possível ingressar com uma queixa-crime por denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal), além de ajuizar ação de indenização por danos morais contra a pessoa que praticou a falsa imputação.
Importante lembrar: defender-se de uma acusação falsa não significa atacar a existência da Lei Maria da Penha ou o direito das mulheres à proteção. Ao contrário, preservar a integridade da legislação passa também por impedir o seu uso indevido.
Violência doméstica e indenização por danos morais
A violência doméstica não gera apenas consequências criminais para o agressor. A depender da gravidade da situação e do impacto causado à vítima, é possível buscar na Justiça uma indenização por danos morais. Isso significa que, além das medidas protetivas e da punição penal, a vítima também pode ser compensada financeiramente pelos prejuízos emocionais e psicológicos sofridos.
Os tribunais brasileiros têm reconhecido que agressões físicas, humilhações públicas, perseguições, ameaças constantes, exposição indevida nas redes sociais ou destruição de bens podem ultrapassar os limites do tolerável e ferir profundamente a dignidade da mulher. Nessas situações, o agressor pode ser condenado a pagar uma indenização pelos danos causados à honra, à imagem e ao bem-estar emocional da vítima.
Da mesma forma, quando alguém é falsamente acusado de violência doméstica, também é possível pleitear uma indenização por danos morais, desde que fique provado que a acusação foi dolosamente fabricada. A falsa acusação pode causar abalos profundos à vida do acusado, comprometendo sua honra, sua reputação profissional e seus vínculos familiares.
Cada caso deve ser analisado individualmente, com base nas provas, nas circunstâncias e nos impactos concretos causados à parte lesada. O advogado exerce papel fundamental na avaliação da viabilidade da ação, bem como na definição do valor a ser pleiteado com base na jurisprudência mais atual.
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