Em muitas famílias brasileiras, o padrasto ou a madrasta exercem papel ativo na criação dos filhos do cônjuge. Eles cuidam, educam e oferecem apoio afetivo e até financeiro ao enteado. Mas o que acontece quando essa relação termina? O enteado pode pedir pensão alimentícia ao padrasto? A resposta exige atenção aos limites legais.
A legislação brasileira não prevê, de forma automática, qualquer obrigação alimentar entre padrastos e enteados. Isso significa que, mesmo havendo convivência e afeto, o término da relação com o cônjuge não gera, por si só, dever de pagar pensão ao filho dele.
O que diz o Código Civil sobre obrigação alimentar?
De acordo com o art. 1.694 do Código Civil, podem pedir alimentos aqueles que são parentes, cônjuges ou companheiros. Padrastos e enteados, por sua vez, são considerados parentes por afinidade e não entram nesse rol legal de credores ou devedores de pensão alimentícia.
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Quando existe possibilidade de pensão entre padrasto e enteado?
A única hipótese legalmente aceita no Brasil para fixação de pensão entre padrasto e enteado é quando ocorre o reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva ou adoção. Isso significa que o padrasto assume legalmente o papel de pai, sendo equiparado aos pais biológicos perante o ordenamento jurídico.
Esse reconhecimento pode ocorrer por meio de ação judicial ou, em certos casos, ser declarado na certidão de nascimento da criança. Após essa formalização, os direitos e deveres decorrentes da filiação passam a existir, inclusive a obrigação de prestar alimentos.
Sem esse reconhecimento formal, o simples afeto ou a convivência prolongada não geram, por si sós, obrigações legais. A Justiça não pode impor pensão a quem não é pai ou mãe de direito.
O que dizem os tribunais?
Os tribunais brasileiros vêm reafirmando que a obrigação alimentar depende da existência de vínculo legal. Veja um exemplo do Tribunal de Roraima:
(...) A existência de enteado não lhe acarreta obrigação de alimentá-lo, pois tal responsabilidade é dos pais e não do padrasto, logo o seu filho deve ser alimentado pelo pai. (Apelação, Processo nº 0002438-65.2014.822.0019, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Cível, Relator (a) do Acórdão: Des. Alexandre Miguel, Data de julgamento: 04/08/2016)
(...) Por fim, registro que não vislumbro equívoco a ser reparado na decisão questionada no ponto em que indeferiu a fixação de alimentos em favor de G., enteado do agravado, com fundamento no suposto vínculo socioafetivo. Muito embora não se desconheça que a convivência diária do padrasto, ora recorrido, com o enteado, desde os dois anos de idade do menino (nascimento em 10.11.2007; relação a partir de 2010) tenha resultado em uma relação de afeto e de cuidado, tal circunstância, por si só, não constitui título jurídico capaz de habilitar o enteado para postular verba alimentar. (TJ-RS - Agravo de Instrumento: 50765841820208217000 PELOTAS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 11/03/2021, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: 12/03/2021)
Em outras palavras, ainda que o padrasto tenha participado da criação da criança por anos, ele não pode ser obrigado a pagar pensão após o fim da união conjugal, salvo se tiver reconhecido legalmente a paternidade.
E em outros países? O exemplo da Argentina
Embora o Brasil ainda não preveja, em sua legislação, a obrigação de pensão entre padrasto e enteado sem reconhecimento formal da paternidade, outros países já avançaram nessa discussão.
Na Argentina, por exemplo, o artigo 676 do Código Civil e Comercial prevê a possibilidade de obrigação alimentar do padrasto ou madrasta em relação ao filho do parceiro ou parceira. Essa obrigação é subsidiária — ou seja, ocorre apenas quando os pais biológicos não conseguem prover os alimentos — e pode ser fixada mesmo após o fim da convivência, se a criança ou adolescente dependia economicamente do padrasto ou madrasta.
Esse modelo tem chamado atenção por reconhecer a realidade de muitas famílias contemporâneas, onde vínculos afetivos geram dependência concreta. No entanto, vale reforçar: a legislação brasileira ainda não contempla esse tipo de responsabilidade.
O uso desse exemplo serve para enriquecer o debate e, quem sabe, inspirar avanços futuros no nosso ordenamento jurídico.
Conclusão: é preciso diferenciar afeto de obrigação legal
O direito brasileiro valoriza o afeto nas relações familiares, mas a imposição de deveres, como a pensão alimentícia, depende de vínculo jurídico reconhecido. Se você está em uma situação parecida, o ideal é buscar orientação jurídica antes de qualquer ação.
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