Ser madrasta é amar um filho do coração. Você participa do dia a dia, cuida, educa e cria um laço profundo de maternidade afetiva – mesmo que esse vínculo não esteja registrado no papel.
Muitas madrastas se perguntam: “Posso ser reconhecida legalmente como mãe do meu enteado?” A boa notícia é que sim, é possível ser mãe de direito do seu enteado, e há caminhos legais para formalizar essa relação de amor.
No Brasil, duas principais opções permitem à madrasta ganhar status de mãe legal:
- Adoção unilateral (também chamada de adoção pelo cônjuge);
- Reconhecimento da multiparentalidade (quando a criança passa a ter mais de dois genitores formalmente reconhecidos).
Ambas as vias buscam assegurar o melhor interesse do menor, dando segurança jurídica à família recomposta.
A seguir, será explicado cada opção em detalhes, com exemplos práticos, para que você entenda qual pode ser a ideal para sua situação.
Adoção Unilateral: quando a madrasta adota o enteado
A adoção unilateral é o meio tradicional pelo qual uma madrasta pode se tornar mãe legal de seu enteado. Nessa modalidade, a madrasta adota a criança oficialmente, tornando-se mãe no lugar da mãe biológica.
O termo "unilateral" é usado porque apenas uma das linhas de filiação é alterada – no caso, a materna. Ou seja, a criança passará a ter o pai biológico e a madrasta como pais legais, substituindo a mãe biológica no registro civil.
Importante destacar que, por previsão expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), essa adoção pelo cônjuge não rompe o vínculo com o pai biológico; o poder familiar do pai permanece e passa a ser compartilhado com a madrasta adotante, que passa a ser oficialmente a mãe.
Em outras palavras, não há ruptura total com a família original – pelo menos um dos pais biológicos permanece no registro, exercendo a parentalidade juntamente com a adotante.
Em quais situações a adoção unilateral é possível? A legislação brasileira estabelece alguns requisitos específicos. Em geral, essa adoção só será viável se a mãe biológica da criança não estiver exercendo o poder familiar, seja porque faleceu ou foi destituída do poder familiar.
Mas e se a mãe biológica ainda for viva e presente? Nesse caso, a adoção unilateral exigirá que ela concorde em ceder o lugar de mãe, ou então que haja uma situação excepcional de destituição do poder familiar (como abandono ou outra razão grave reconhecida judicialmente).
Em quaisquer das hipóteses, a adoção transfere totalmente a maternidade legal para a madrasta, extinguindo os laços jurídicos com a mãe biológica e família materna (como direitos sucessórios). Por isso, os tribunais só concedem a adoção unilateral após avaliar com muito cuidado se essa ruptura legal não prejudicará o menor.
Como funciona o processo? A adoção unilateral, como qualquer adoção, é um procedimento judicial. Será necessário ingressar com uma ação de adoção na Vara da Infância e Juventude, normalmente com assistência de um advogado.
Apesar da criança já estar sob seus cuidados, a lei exige avaliação judicial e parecer do Ministério Público, sempre visando o melhor interesse do menor.
A boa notícia é que, por se tratar de uma adoção dentro da própria família, não é preciso passar por fila de espera nem estágio de convivência prévia – afinal, a convivência familiar já existe e geralmente por anos.
Você, madrasta, já vem desempenhando o papel de mãe no cotidiano, o que torna o processo mais célere e natural do que em uma adoção tradicional de criança desconhecida.
Durante o processo judicial, serão analisados documentos (certidões, atestados, etc.) e realizadas entrevistas ou estudo psicossocial, para confirmar o vínculo afetivo e a conveniência da adoção.
A vontade do enteado também é levada em consideração no processo. Se ele tiver 12 anos ou mais, o consentimento é obrigatório e deve ser manifestado de forma expressa. Já nos casos de crianças menores de 12 anos, embora não seja exigido o consentimento formal, o juiz (por intermédio do estudo psicossocial) avaliará o vínculo da criança com a madrasta para garantir que a adoção reflita seu melhor interesse.
Uma vez que o juiz defira a adoção unilateral, será emitida uma nova certidão de nascimento da criança, constando o nome da madrasta como mãe. A partir daí, você terá todas as responsabilidades e direitos maternos: poderá tomar decisões sobre educação e saúde, terá seu nome nos documentos escolares, e a criança passará a ter direito a herança sua e vice-versa, exatamente como um filho biológico.
Em contrapartida, o nome da mãe biológica será removido do registro (caso estivesse presente), e ela perde legalmente os poderes e deveres de mãe.
Exemplo prático: Imagine que Ana se casou com Carlos, pai do pequeno Pedro. A mãe de Pedro é falecida. Ana cria Pedro desde bebê, ocupando plenamente o papel de mãe. Para garantir segurança jurídica a essa relação (em caso de algo acontecer com Carlos, por exemplo, ou para resolver burocracias do dia a dia), Ana pode ingressar com pedido de adoção unilateral de Pedro. Atendidas as formalidades, a Justiça provavelmente concederá a adoção. Pedro passará a ter Ana como mãe em sua certidão, mantendo Carlos como pai – tornando oficial aquilo que a vida já fez verdade: Ana é mãe do Pedro.
Multiparentalidade: quando o enteado pode ter duas mães
E se a mãe biológica não estiver ausente, mas você, madrasta, ainda assim deseja o reconhecimento legal? Nesses casos, a solução pode estar na multiparentalidade, um conceito mais recente no Direito de Família brasileiro.
Multiparentalidade significa reconhecer legalmente que uma criança possui múltiplos pais ou mães. Em vez de substituir um pelo outro, somam-se os vínculos: a criança pode ter, simultaneamente, duas mães (a biológica e a socioafetiva, por exemplo) ou dois pais, todos constando em seu registro de nascimento.
Esse reconhecimento reflete a realidade de muitas famílias contemporâneas, em que o afeto constrói laços tão fortes quanto a biologia.
No contexto de madrastas, a multiparentalidade normalmente se aplica quando a mãe biológica continua presente na vida do filho, mas a madrasta também exerce um papel materno ativo e constante. Ao invés de escolher uma mãe para constar nos documentos, reconhece-se que a criança tem duas mães – e ambas terão status jurídico de mãe, com igualdade de direitos e deveres.
Vale ressaltar que a multiparentalidade não exclui os pais biológicos do registro; o que ocorre é a adição de um novo pai ou mãe socioafetivo, sem que ninguém perca seu lugar.
Assim, o enteado ganha oficialmente uma mãe adicional, mas permanece com sua mãe e pai originais também registrados.
Esse entendimento ganhou força no Brasil a partir de decisões judiciais pioneiras. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou um importante precedente ao decidir que o vínculo de filiação socioafetiva pode coexistir com o biológico.
Ou seja, ter um pai/mãe de criação reconhecido não impede de manter o pai/mãe de sangue – ambos os laços podem ser admitidos juridicamente.
Desde então, casos de multiparentalidade começaram a ser acolhidos pelos tribunais com mais frequência.
Hoje, portanto, já é possível pleitear que você seja reconhecida como mãe socioafetiva do seu enteado sem apagar a existência da mãe biológica.
Na prática, como isso se efetiva? Existem duas formas: via processo judicial ou, se houver pleno acordo entre todos, até mesmo via reconhecimento extrajudicial em cartório (mecanismo que passou a ser regulamentado nos últimos anos pelo Conselho Nacional de Justiça).
O caminho judicial envolve propor uma ação declaratória de reconhecimento de maternidade socioafetiva (ou um pedido de multiparentalidade) na Vara de Família. Será necessário demonstrar ao juiz que:
- Existe um vínculo afetivo sólido e permanente entre você e a criança, análogo ao de mãe e filho (por exemplo, comprovar que você participa ativamente da criação, que a criança te chama de mãe, que a relação já dura muitos anos).
- O reconhecimento dessa relação trará benefícios ao menor, assegurando direitos e dando estabilidade familiar, sem prejudicar os vínculos já existentes.
- Preferencialmente, há concordância dos envolvidos – o pai (seu marido) certamente apoiará, e idealmente a mãe biológica também deve estar de acordo. Caso a mãe biológica seja contrária, o juiz avaliará se ainda assim a multiparentalidade atende ao melhor interesse da criança, podendo requerer laudos de psicólogos ou assistentes sociais sobre o impacto disso.
Havendo decisão favorável, o resultado será a expedição de um mandado para o cartório incluir um novo registro de mãe na certidão de nascimento do enteado. Seu nome será acrescentado ao lado do nome da mãe biológica, constando ambas como mães, além do pai. Todos passarão a compartilhar o poder familiar.
Isso significa que, legalmente, você terá os mesmos poderes de decisão e obrigações que os genitores originais. O filho multiparental passa a ter direitos perante três ascendentes – por exemplo, direito a ser alimentado e herdar de todos os genitores reconhecidos (biológicos e afetivos). Da mesma forma, todos os genitores terão o dever de cuidar e poderão, futuramente, pleitear guarda ou convivência, conforme o caso.
A família se ajusta a uma configuração tripla, que embora inovadora, já é reconhecida e respeitada em nossos tribunais.
Exemplo prático: Suponha que Bruna seja madrasta de Lucas, que tem 8 anos. Lucas mora com o pai e Bruna desde os 3 anos de idade. A mãe biológica, Mariana, mantém contato quinzenal e é carinhosa com o filho, mas reconhece que Bruna participa de toda a rotina – leva à escola, ao médico, dá carinho diário – e que Lucas a vê como uma segunda mãe.
Em comum acordo, decidem buscar juridicamente a multiparentalidade. Com o aval de Mariana, Bruna entra com o pedido de reconhecimento como mãe socioafetiva. O juiz verifica que não há conflito e que Lucas só tem a ganhar com duas mães cooperando pelo seu bem-estar. Defere o pedido.
Agora, Mariana e Bruna constam juntas como mães de Lucas nos documentos oficiais, e ambas podem, por exemplo, representá-lo legalmente na escola, em consultas ou viagens. Lucas continua tendo sua mãe biológica presente e ganha proteção jurídica do laço materno com Bruna. Toda a família fica mais segura e amparada pela lei.
Diferenças entre adoção unilateral e multiparentalidade
Agora que entendemos cada caminho, vamos resumir as principais diferenças entre adoção unilateral e multiparentalidade, para ficar claro como cada opção impacta a vida familiar:
- Quantidade de pais no registro: Na adoção unilateral, a madrasta substitui a mãe biológica no registro – ao final, a criança continua com dois pais legais (pai e madrasta). Já na multiparentalidade, a madrasta é acrescentada sem substituir ninguém, resultando em três pais (pai, mãe biológica e madrasta, todos constando como genitores).
- Vínculos originais: A adoção implica rompimento do vínculo jurídico com a mãe biológica e seus parentes (a criança deixa de ter direitos/deveres em relação à mãe de sangue, como alimentos e herança). Na multiparentalidade, nenhum laço é rompido – os laços biológicos permanecem intactos, e o vínculo socioafetivo da madrasta passa a coexistir em pé de igualdade. Assim, o filho multiparental mantém todos os direitos com os pais biológicos e ainda ganha os direitos em relação à madrasta (por exemplo, poderá herdar tanto da mãe biológica quanto da madrasta).
- Requisitos e cenário familiar: A adoção unilateral geralmente requer que a mãe biológica esteja ausente (falecida ou destituída do poder familiar) ou disposta a consentir na adoção. É a opção indicada quando a criança basicamente não deseja manter qualquer vínculo com a mãe biológica. Por sua vez, a multiparentalidade se aplica quando a mãe biológica permanece na vida da criança, e busca-se apenas reconhecer formalmente a madrasta que já atua como mãe de criação.
- Processo legal: No caso da adoção, há previsão legal explícita no ECA permitindo a adoção pelo cônjuge, seguindo um procedimento judicial de adoção (com guarda provisória, sentença e nova certidão). Já a multiparentalidade não estava expressa em lei e surgiu via jurisprudência, ou seja, decisões dos tribunais que passaram a admitir essa possibilidade com base nos princípios do melhor interesse da criança e da dignidade da família. Atualmente, alguns procedimentos extrajudiciais foram regulamentados para reconhecimento voluntário em cartório quando há consenso, mas na ausência de acordo, é necessário recorrer ao Judiciário.
- Impacto emocional e simbólico: A adoção unilateral, ao substituir a mãe biológica, pode ter um peso emocional diferente – em alguns casos, a criança pode sentir como se estivesse “trocando” de mãe nos documentos. Já a multiparentalidade abraça a ideia de múltiplas pertenças: reconhece-se oficialmente que aquele filho tem duas figuras maternas. Para muitas famílias, essa solução é mais condizente com a realidade afetiva, evitando apagar a história da criança com a mãe biológica e, ao mesmo tempo, valorizando a madrasta como mãe igualmente.
Não há modelo melhor ou pior de forma absoluta – tudo depende da realidade familiar e do que é melhor para a criança. A seguir, trazemos orientações de como decidir e proceder em cada situação.
Qual caminho seguir para ser mãe de direito?
Diante de duas alternativas tão distintas, como saber qual escolher? A decisão entre adoção unilateral e multiparentalidade deve levar em conta fatores jurídicos e afetivos. Considere primeiramente a situação da mãe biológica: ela faz parte da vida do seu enteado? Qual é a qualidade desse vínculo?
Também é importante ouvir o próprio enteado, conforme a idade e maturidade dele. Crianças menores talvez não compreendam os trâmites legais, mas crianças maiores podem opinar sobre ter você oficialmente como mãe. Envolvê-las de forma apropriada garante que se sintam seguras e valorizadas.
Lembre-se: seja adoção ou multiparentalidade, o centro da decisão deve ser o bem-estar da criança. Em todos os casos, procure orientação de um advogado especializado em Direito de Família. Cada família recomposta tem suas peculiaridades, e um profissional poderá avaliar o caso concreto e indicar a estratégia jurídica adequada.
Ao seguir pelo caminho legal, prepare-se para um processo que, embora possa ser burocrático, tem um propósito muito recompensador. Visualize o momento em que o nome da mãe socioafetiva estará lado a lado com o dos pais de sangue no papel – ou quando, no caso da adoção, seu enteado finalmente terá seu sobrenome e filiação oficial ligados a você. Esses são marcos importantes que consolidam em lei a família que o coração formou.
Em conclusão, madrasta, saiba que seu amor pode se tornar lei. A adoção unilateral e a multiparentalidade são expressões do reconhecimento jurídico de que mãe é quem cria, cuida e ama, independentemente de laços biológicos. O Direito brasileiro evoluiu para acolher essa realidade: seja substituindo uma mãe ausente pelo amor presente de uma madrasta, seja acrescentando uma mãe do coração ao lado da mãe de sangue, o objetivo é sempre proteger a criança e valorizar os vínculos afetivos verdadeiros.
Portanto, não tenha medo de buscar seus direitos. Informe-se, converse em família e conte com ajuda profissional para trilhar esse caminho. Cada passo dado – da decisão em família até a sentença favorável – será dado com o objetivo de garantir que aquele laço de amor entre você e seu enteado nunca seja questionado, nem pela lei, nem pela vida. Afinal, no que realmente importa, vocês já são mãe e filho; agora é questão de oficializar isso, para que amor e justiça andem de mãos dadas.
AVISO LEGAL: Este artigo fornece apenas informações genéricas e não pretende ser aconselhamento jurídico e não deve ser utilizado como tal. Se você tiver alguma dúvida sobre seus assuntos de direito de família, entre em contato com o nosso escritório.